MENU

O Direito de Imagem de Pessoas Falecidas

Publicado em 09/21/2024

O Direito de Imagem de Pessoas Falecidas: Proteção Jurídica e Questões Éticas

O direito de imagem é um dos pilares fundamentais no universo do direito das personalidades. Garantido pela Constituição Federal brasileira no artigo 5º, inciso X, esse direito é consagrado como autônomo, protegendo a imagem das pessoas, estejam elas vivas ou tenham falecido. Além disso, a Constituição assegura o direito à indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação.

No entanto, uma questão crucial se coloca diante desse contexto jurídico: o direito de imagem sobrevive após a morte da pessoa? Este é um tema que gera intensos debates e importantes implicações no cenário jurídico brasileiro. Neste artigo, exploraremos essa questão sob diversas perspectivas, analisando as bases legais, a doutrina, as jurisprudências mais recentes e os dilemas éticos que envolvem o direito de imagem de pessoas falecidas.

O que diz a legislação brasileira?

A proteção jurídica ao direito de imagem está bem delineada no ordenamento jurídico brasileiro. O Código Civil, em seu artigo 11, estabelece que os direitos da personalidade, incluindo o direito de imagem, são intransmissíveis e irrenunciáveis. Em outras palavras, esses direitos são personalíssimos e vinculam-se diretamente à pessoa titular. No entanto, o mesmo Código prevê que, após a morte, algumas prerrogativas desses direitos podem ser exercidas por terceiros.

O artigo 12 do Código Civil é claro ao dispor que os herdeiros do falecido têm legitimidade para defender os direitos da personalidade deste, podendo exigir que cesse qualquer ameaça ou lesão a esses direitos. Isso inclui o direito de imagem, que, mesmo após a morte, continua a gozar de proteção jurídica. Assim, os herdeiros ou sucessores legais têm legitimidade para tomar medidas judiciais em caso de violação, seja para interromper o uso indevido ou para obter indenização por danos causados à imagem do falecido.

O artigo 20 do mesmo Código Civil reforça essa proteção ao estabelecer que, mesmo após a morte, a utilização da imagem de alguém, quando utilizada sem autorização e de forma que atente contra a honra, a boa fama ou o respeito à pessoa, pode ser contestada judicialmente por seus familiares ou cônjuge.

Jurisprudência brasileira: Como os tribunais tratam o direito de imagem póstumo?

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado uma posição firme em favor da proteção da imagem de pessoas falecidas. Em decisões recentes, o STJ reiterou que o direito de imagem não se extingue com a morte, e que seus familiares têm o direito de proteção à memória e à dignidade da pessoa falecida.

Um exemplo marcante foi o julgamento de um caso envolvendo a exploração comercial da imagem de uma artista já falecida, sem a devida autorização de seus herdeiros. O STJ determinou que a utilização comercial da imagem do falecido, sem permissão, constitui ato ilícito, passível de reparação civil, pois atinge o direito à memória e à dignidade, prolongando a proteção que a pessoa teria em vida.

Outra decisão emblemática foi o caso de Cazuza, onde os herdeiros do cantor processaram uma marca de moda que utilizou sua imagem em campanhas publicitárias. A decisão reconheceu a violação ao direito de imagem e impôs a necessidade de indenização aos herdeiros, reforçando o entendimento de que esse direito transcende a morte.

Caso Cazuza: No Recurso Especial nº 1.192.556-RJ, julgado em 2011, os herdeiros do cantor Cazuza processaram a empresa Osklen por utilizar a imagem do cantor em camisetas, sem autorização da família. O STJ decidiu que o uso comercial da imagem de uma pessoa falecida sem o consentimento dos herdeiros configura violação do direito de imagem e, consequentemente, caberia reparação por danos morais e materiais. Essa decisão reforçou o entendimento de que o direito de imagem é protegido mesmo após a morte, e os herdeiros têm legitimidade para buscar essa proteção.

"O direito à imagem é indisponível e imprescritível, sendo passível de proteção também após a morte do titular, resguardando-se, assim, a memória e a dignidade do falecido, sob pena de ofensa aos direitos da personalidade de seus familiares." (REsp 1.192.556/RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 10/05/2011)

Essa decisão é um marco para a proteção do direito de imagem póstumo no Brasil, sendo amplamente citada em processos semelhantes.

Outro caso relevante que menciona a proteção da imagem post mortem é o Recurso Especial 1.005.965/SP, julgado em 2008, no qual o STJ reiterou que a proteção da imagem de pessoas falecidas pode ser defendida por seus herdeiros, principalmente em situações que envolvem ofensa à honra ou exploração comercial não autorizada.

As questões éticas e os limites do uso da imagem de falecidos

Além da legislação, a proteção da imagem de pessoas falecidas levanta uma série de questões éticas. Um dilema recorrente é o uso da imagem para fins artísticos ou culturais. Por exemplo, é comum vermos filmes, documentários e peças teatrais que retratam figuras públicas falecidas. Embora haja uma discussão sobre o valor histórico e artístico dessas produções, é essencial ponderar até que ponto esse uso pode violar a honra ou a memória do falecido.

Em muitos casos, a exploração de imagens para fins comerciais sem o consentimento dos herdeiros pode gerar grandes controvérsias, especialmente quando o uso distorce a realidade da vida da pessoa retratada ou explora aspectos sensíveis da sua história pessoal.

Direito de imagem no contexto internacional

No cenário internacional, a proteção ao direito de imagem de pessoas falecidas também varia de acordo com o país e suas legislações locais. Nos Estados Unidos, o direito de imagem, conhecido como "right of publicity", pode ser transferido a herdeiros, tornando-se um ativo valioso que permite aos familiares continuarem a usufruir da exploração comercial da imagem do falecido. Em estados como Califórnia e Nova York, essa proteção pode perdurar por até 70 anos após a morte da pessoa.

Já na União Europeia, as normas variam entre os países. Na França, por exemplo, o direito à imagem é protegido de forma rigorosa, com forte ênfase no respeito à privacidade e dignidade. O uso indevido da imagem de uma pessoa falecida pode resultar em graves sanções, especialmente se isso afetar a memória ou os direitos dos sucessores. No Reino Unido, por outro lado, a legislação é mais permissiva, com menos restrições ao uso da imagem de pessoas falecidas, salvo em casos de calúnia ou difamação.

Duração da proteção e seus limites

Uma questão importante na doutrina é por quanto tempo o direito de imagem pode ser exercido após a morte. O Código Civil brasileiro não define um prazo específico para o exercício desse direito pelos herdeiros. No entanto, a doutrina majoritária e a jurisprudência têm entendido que, enquanto houver interesse legítimo dos herdeiros em proteger a memória do falecido, o direito de imagem pode continuar a ser exercido.

Isso, contudo, não significa que o direito seja eterno. No longo prazo, a memória e a imagem de figuras históricas ou públicas podem se tornar de interesse público, o que cria um conflito entre o direito à privacidade e a liberdade de expressão. É por isso que cada caso deve ser avaliado individualmente, levando em consideração os impactos éticos e sociais da exploração da imagem.

SCROLL